segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Ô-Sá
Camará
Saca
Que-essa-boca
Está-seca-e-salgada
De-tanto-guardar
Essa-língua
Maldita-e-afiada
Que-insiste-em-teimar
Contra-o-mar
De-dente


Camará
Dá-sá
Que-essa-garganta
Está-seca-e-cansada
De-tanto-aguardar
Aquele-grito
Adiado-e-abafado
De-quando
O-carnaval-chegar...


6/01/11

Ps:Saudações ao poeta Conrado Segal de Araújo.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O ranger do rio raso

Envelhecera bastante a idade dos dentes desde que lhes prometera contar.

domingo, 11 de abril de 2010

O resquício do rio raso

Imagine você que meu corpo esteja composto de pequenos canais, semelhante a uma rede de esgotos. Logo pensará que isto é uma metáfora para as minhas veias e que com isso quero dizer estar imundo o meu sangue.

Imundo estou todo eu.

Há terra sob minhas unhas, meus dentes estão amarelos, e deles falarei depois, mais longamente. Meus cabelos secam e empalidecem. Minha pele resseca e minha boca seca, sequer diz.

Calada assim, ela mente.

E eu finjo minha sinceridade com o olhar de um simplório culpado.

Hei de duvidar, contudo de tudo isso. E eu mesmo não me culpo.

Embora parte, entretanto alheio à minha vontade, dentro de mim, encarcerado, vive alguém do tamanho exato dum pequeno demônio.

Não posso dizer que seja mesmo mau. Nem bem digo que me faça.

Dentro de mim ele passeia e se ri.

Quando minto, ele estica o braço, atravessa-o por minha garganta como um soco, de baixo pra cima, que vai explodir no teto do meu corpo. E assim ele passeia dentro de mim, com violência.

Não contente, após o golpe estrondoso, seus dedos se abrem e da minha nuca até a altura de meus olhos ele arranha com suas unhas, roídas e sangradas, com pontas mal comidas. E assim ele se ri dentro de mim, com benevolência.

Não contente, quando digo uma verdade ele encolhe o braço e fazendo uma cadeia com seus dedos ossudos e tortos à maneira de um garfo vítima de charlatanismo, abraça meu coração, quase acariciando-o, mesmo que o fizesse gelar esse toque traiçoeiro.

Logo o abraço doía e doía, e o coração sofria um aperto e outro aperto.

O sangue imundo se inundava e, assim, meu corpo latejava, ele todo um coração apertado por falanges falácias.

Logo pensará que isto é uma metáfora para o conflito entre razão e emoção e que com isso quero dizer estar vagando minha razão e sofrendo de qualquer tipo de paixão, concomitantemente.

Talvez esteja.

Talvez esteja mentindo.

O fato é que o cansaço exaustivo me dói por baixo dos pés, quando ele estica os dele e pisa os meus passos e os torna duas vezes pesado e preso.

Que me dói as costas quando ele se dependura em meu pescoço e me força carregá-lo, retirando-me além disso o ar sujo que me resta.

Está aqui ainda o pequeno diabo, usa meus dedos como luva e traz-me ânsia às articulações e parece estar queimando com o desespero a parte de baixo das minhas próprias unhas, roídas e sangradas.

É necessário parar por agora de atormentá-lo, pois.

Não pode crer. Eu mesmo o inoculei dentro de mim. Ele vem se fortalecendo e talvez, em breve suponho, me rompa por inteiro e saia voando como uma mariposa, levando consigo meu antigo sorriso de criança.

Conto depois como ele veio parar em meus aposentos.

Preciso antes contar-te da idade dos dentes.

Lembro do gosto do vinho chileno
e de como se parece com Neruda

Um tanto de embriaguez
necessária a qualquer poesia

Um cataclisma qualquer
que não sacudia minha cama

Que não acordou os meus sonhos
e que me deixou só com saudades

Teu nome é uma saudade, sã

E insano sou nas manhãs
chilenas, que apenas, durmo

Um tango um tanto só
revira-se em meus lençóis

Que dito quando o dia levanta
e seu nome deita em meus lábios

O gosto da boca é o silêncio.

segunda-feira, 1 de março de 2010

À sombra do chão

A cidade estava bonita. E como tudo, era ilusão e pó. O movimento veloz do ônibus nas ruas da madrugada, quase sem trânsito. As escuridões aninhavam as sujeiras, os restos, os lixos da cidade. As ruas pequenas e escuras escondiam as prostitutas com coração de pedra; os travestis com olhos de pedra; as ruas escuras viciadas, em pedras.

O pó correndo com o vento, nas sombras escuras das árvores à meia-noite.

As luzes pequenas, amarelas, maquilavam os policiais corruptos, de sorriso amarelo para as putas, os travecos, para quem fosse dono de uma nota de cinqüenta reais, amarela.

A cidade era silêncio. E um tiro de suspiro rarefeito soou no ar como a canção monótona de uma carreira pública. Pública e reta, se desejar pior.

A nota dissonante deitou num sonho um quase corpo de uma quase mulher.

Sentia o espírito leve, desprendendo-se, voando até.

Por dentro do corpo, corria a eternidade fugaz, o toque veloz da morte, do pó a retornar.

Tudo isso num instante.

Um instante fotografado da janela do ônibus

Ali mesmo, na folha que pousou no chão, e construiu debaixo de si, uma sombra.

Ali o ladrão? Ali o destino? Ali o segredo? Num momento?

Um momento.

...

...

...

Ali mesmo, na folha que pousou no chão, e construiu debaixo de si, uma sombra.

Ali, debaixo de si, na sombra.

Ali o ladrão! Ali o Destino! Ali os segredos todos! Num momento...

O relógio, a vida, o polícia e o ladrão, tudo num momento.

Ali mesmo, na folha que pousou no chão, e construiu debaixo de si, uma sombra.

Desenhavam o garoto movimentos teatrais. Conscientes. Desenvolvia-se em gestos pré-fabricados, como numa eterna cena de cinema. Os dedos correndo em direção ao interruptor, o indicador apontado, como a encenar novamente o toque divino da criação, nos altos do céu, no teto da capela Sistina. Prazer maior ainda em desdizer Dele: rodopiava como borboleta; os cabelos levemente subiram e desceram, pesando na cabeça, uma única vez; punha os olhos no botão; o braço que acompanhara o voltarete, achara em seguida a pele de seu par num clique. Clique!.Disse:

_ Faça-se a escuridão.

E o quarto enegreceu de temor perante as forças da física e da eletricidade.

Mancebo e velho, jovem de idade, vinte e cinco anos, gasto das noites não dormidas, dos conhaques mal envelhecidos, dos vinhos baratos e dos cigarros americanos, de nomes americanos, de tabacos americanos, câncer brasileiro. Devaneando, o coitado, deitado em lençóis sujos de um mês - marcas de café, de pé, de sexo - permanecia e ia-se embora.

Enojava-se do silêncio tão logo se surpreendia envolto em sua harmoniosa orquestra.

Tateava de lembrança os objetos do quarto. Pegava um vinil: Billie Holliday, o primeiro na fileira de discos. Como a ponto de agulha o tempo todo. Como a idéia de estar vivo e estar devidamente pronto a morrer, a qualquer hora, a toda hora, a mesma hora, hora, hora, hora, hora.....

_ Morri! À alegria viva dos condenados à morte, dos que também a tocaram! Viva! Viva!

E começava o monólogo louco, um pouco bêbado, um pouco mais no copo, ainda na mão: presente a si próprio, esquecido entre os dedos na saída do bar.

_ Sim!!! Eu, morto!

O canto de sua voz falando vinha ensaiado do gole que o antecedesse. Vodka e Coca-Cola. Reconhecera só ali a bebida. E seguia em seu ato de ladainha de todos os dias derradeiro:

_ Estou morto! Morto de idéias! Não que não as tenha. Tenho. Todas. Aqui !

E batia o indicador criativo na cuca. Indica a dor porque é onde bate que ela se está.

Toc!! Toc! Toc? Toc...

Ninguém respondia. Respondia ele:

_ Ninguém responde! Eu não respondo. As idéias me gritam e arranham no meu cérebro, mas as aranhas dos meus dedos enfeitam de teia a cadeia do punho fechado, do muro erguido e das chaves do toque.

Toca o jazz, trilha sonora da vida sinuosa, sintomaticamente escolhida a dedo, sem criatividade alguma, sem improviso algum, sem sentimento que seja, a não ser a saudade de repetir o que não se repete. Sim ! Vitrola maldita! Viola-me o dito. Veja como eu pego tua agulha! Veja !, como a trago para as bordas do teu prato faminto, de som, e repito, e repito e repito. O que nunca repete?

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Encontro com o sol

Não é do meu feitio, mas aqui vai uma sincera homenagem.

Texto de Ramando Carvalho (http://ramandocarvalho.blogspot.com/)

"Tudo reluzia, os dentes imprimiam uma estranha imponência, como se as máquinas quisessem mostrar suas forças ao destroçar o que há de mais belo no ser humano.

A paz é um tesouro mais precioso que o sol de um verão tropical.

A tremidão que toma conta do ambiente, deixa minha alma igualmente tremula, sabendo que alguma poção mágica preparada em algum recanto imaginário do universo, nos livrará do surto epilético alimentado por nós mesmos.

Neste lugar não se precisa mais olhar nos olhos, pois uma força amaldiçoada nos disse para nos vendarmos diante do inexplicável. Quanto maior a trapaça, mais maldade se vê, é preciso fugir, carregando um sofrimento que não é seu.

Ver o outro está coisa difícil, somente quando a luz iluminar.

Os movimentos denunciam uma luta vacilante, contra um inimigo que nasce das redes emaranhadas incapazes de se lançarem ao mar. Brota, como imensos pomares, a inclinação à pobreza, que se transforma em um esforço em se prender e termina em menosprezo pela liberdade. Neste fantasma, nesses vultos humanos, o encontro do puro não se dá senão fora daquilo que serve como construção de mais um andar em nossa torre desastrosa, que de alta, peca em cair no primeiro sopro. Habitá-la, faz ver que não há paredes, mesmo assim não se pode sair à rua, terá que pagar por estar diante das estrelas, e essa moeda de ouro caiu no ralo há tempos e se desfez nos labirintos dos esgotos.

Imensos canais invisíveis parecem ligar os fluidos elétricos à química de seus corpos, transformado seu sangue em ácido corrosivo, a pressão acelera, em ritmo impreciso.

As asas conduzem somente a lugares invernais. Neste mundo, ensaiar um sorriso é o mais perto que se chega de seu sonho.

É preciso dormir se quiser tocar sua alma, desperto toca somente suas sombras.

As folhas dos galhos mais altos do espírito humano, em difusa transformação, viram monitores que ostentam um colorido hipnótico, um plasma opaco que se espalha.

Derreter o ferro e cunhar chaves, abrir o paraíso por detrás de uma porta empenada e descascada.

Não me quero curar desse mal, nascer doente é a pior das heranças. Fincar ancora nos filhos e deixá-los engolir por uma água podre. Eis o orgulho dos marinheiros do progresso. Em um batera de madeira cintilante, cercada por rochedos, um velho enfeitado com tecidos nobres diz:

- Não é esse o caminho!Não é essa a embarcação!

Contornar o infinito e seguir sem medo, pois temer é a causa da fadiga, deitar-se receoso não é o mesmo que estender-se em dunas de areia fina. O florescimento dos mais lindos botões se dá nos solos cansados de serem explorados, estação após estação, que gritam para a chuva cair. A obrigação de encravar em meu próprio peito o punhal da desilusão, faz jorrar antes do golpe sangue prematuro. Nos ouvidos ingênuos ecoa: Faça escravo do seu homem! E os braços cadenciam uma dança cotidiana e traiçoeira. A tristeza se empilha. Há tempos houve um dia nebuloso, e no instante do desassossego, riscou-se na nuca de cada criatura na terra: É um. E não será outro.

Nesses dias, anjos subiram montanhas, e em lágrimas, morreram de frio.

O gosto de pertencer a mundos talhados em aço cru produz em minha boca saliva empedrada. Lança-las no crânio cibernético e matar a força rastejante, alma sorrateira. Desejo dos loucos. A pétala originaria colori os pedaços verdes que cheiram a choro. Somos flores plantadas em terra rasa. A realidade engoli sonhos como um andarilho que há dias sem comida repousa em banquete farto. Li em um outdoor: Cave um buraco nas nuvens e descanse sua voz fraca.

É preciso comprar uma pá, as unhas e os dedos não lhe servem mais. Da bebida sangue da morte, transformei em vermelho do amor. Que pintou como artista sedento, êxtases cores, em todos os véus. Escrevo em lugar nenhum, no recheio da angustia, que embaralha, desenlaça e contorce e aperta. Temos medo. Por que não? Deus aceita meu presente.

Ele mora no céu. Acende a brasa do desejo, e em fogo eterno, folga lânguido e onipotente. Da janela, sob sua coroa diz como que segredo afável:

- Foge! Encontre o sol."


Sem correções ortográficas, cada cal com seus erros e acertos.