domingo, 18 de janeiro de 2009

Band-aid

E não tem band-aid que tape,
Nem tem rede que embale,
ou parede que pare,
o caminho da dor.

E não tem sopa que cura,
não tem roupa que cubra,
nem cafuné que dê jeito,
e nenhum outro amor.

Saudação

Engano da minha cabeça, delírio das minhas idéias... Tão jovem e com caraminholas de velho gagá, caquético. Aquelas idéias das casas a vigiar-me os passos já era motivo para preocupações suficientes.
Começava a endoudecer deveras. Cria nisso piamente. Poucas são as coisas que merecem crença.
Mas, e agora? O que era isso de ver gente pela cozinha? Casa vazia, jazz, cigarro, café... e um velho na cozinha. Tem cabimento? Não, ora essa.
Aquele velho de terno cinza, chapeuzinho cordial nas mãos, uma reverência. Só, ele cumprimentava docemente sei lá quem.
Logo dei aquilo por brinquedo do meu juízo. E o velho de fato se diluiu no espaço, tal qual a fumaça prateada que subia do meu cigarro, em direção às estrelas, na noite quase sem brilho.
Talvez fosse uma troça de velho com ares de criança, escondendo e rindo-se satisfeito e divertido, às minhas custas.
Em todo caso, deve ser sempre uma alegria caminhar quando se deveria estar deitado apodrecendo, no paraíso, no inferno, fila de banco, para onde se vá, enfim. Ou não se vai a lugar algum e deixa-se estar por a, a cumprimentar, sorrir, materializar-se na cozinha de casas alheias.
Talvez não houvesse diversão nisso tudo. Eu não me divertia. Ao velho bastava esquecer, pela idade, pela vontade, ou pelo alzheimer. E aí sim, alegria de morrer.
Eu tinha problemas com a morte e tê-la ali tão perto, a ponto de me oferecer um cópo-d'água, com aquele riso tão vivo no rosto, me enchia da sensação melancólica que a noite fria, o café, já frio no último gole, o cigarro após tropeçar da minha mão tremida, o último beijo que ele encerrava, os últimos acordes de Billie Holliday e sua música, trilha sonora de suicídios, impregnavam na minha pele. Arrepio dos pés ao cabelo, até e principalmente, dentro da minha cabeça.
O que há é que o dia chegou, após uma madrugada insône, e já me preocupo. Eu agora só posso reproduzir sorrisos, cumprimentos. O velho parecerá mais um de quem a vida e os anseios não me interessam. Porém, cumprimentá-lo-ei, mecanicamente, como faço com todos à minha volta. Com o tempo, talvez lhe crie até simpatia.

(14 e 15 de maio de 2006)
É dor Era paz Será mais
E se não for E se não for E se não for
É dela É ela Já era

É febre É greve É prece
É cama É grana É santa
É cela Espera É treva
Cruzam-se em meu quarto escuro:
A fumaça chorosa das velas;
O beijo do haxixe em fogo;
A polpa do incenso, no sabor do ar,
Formam corpos azuis, e sobem a parede
Azul
Em direção ao teto, azul...
Como uma onda de encontro ao céu.

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O quarto numa penumbra que espera:
chuva!
As mãos, em ossos quebrados que esperam:
luva!
O farto, d'uma linha reta que espera:
curva!

O ar pesado, carregado de demônios e
fumaça...
O ar parado, carregado de relógios e
não passa...
O tempoatado ao passado que rói e
traça...

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Nos traços em que me escrevo,
Nos braços em que estou preso

Clamei à noite,
respondeu a Morte...
As árvores negras, desejosas de silêncio...
Pormenorizando
meu caminho
pisei na escuridão inúmera
de meu miserando viver

Ao tocar os pés no negro nada
Nas nuvens renovei meus passos
E na umidade triste dessas volantes senhoras
Adentrei minhas veias
E chovi
Até me tornar
Apenas o ar
que tu, ingrato,
respirarás...
... E desde o tempo em que o homem olhou para a Lua e quis lá morar, a Lua se afastou.
E o homem inventou de inventar a distância, na ânsia, de fugir, de si mesmo.
Foguetes, aviões, colchões para deitar e sonhar com a Lua no céu.
E a vida sugada pelas pulgas e rugas do aço no rosto.
Tão antigo já o cão, o amigo, o próprio desejo. O copo de álcool.
O corpo.
Lá e cá.
...

Trecho da canção Laika, da banda Nilza e o Sindicato dos Mendigos, da qual fui integrante nos anos de 2006 e 2007.