quarta-feira, 15 de julho de 2009

Dominique


Dominique será castigada esta noite.
Estará no milho até que seus joelhos tenham tons líquidos, avermelhados e escorridos.
Dominique será castigada. Com chicote.
Os fios retornarão frios, batendo na pele quente da pancada. Sangrará até que suas veias sintam-se tão doídas, que se sentirão, elas mesmas, como que aditas às malditas serpentes encouraçadas.
E às próprias veias culpará, Dominique.
Dominique visionará a Verdade da Dor, em cada golpe necrófilo; em cada pulsação no corpo, absorto do tato, o próprio algoz.
Dominique sentirá culpa pelo que fez, pelo que não fez. Sorverá essa culpa nas lágrimas secas, que secarão tão logo brotem.
Brotará. A culpa.
Silenciará. A voz.
Omitirá qualquer grito gutural, qualquer discurso genial e prosódico.
Enlouquecerá, Dominique. Não será compreendida.
Duvidará, Dominique, do domínio, de deus.
Sorrirá incerta qualquer certeza em que cria. E olharás para elas, abandonada pelas mentiras, suas últimas amigas.
Só lhe restará o vinho. Que virou vinagre. Virará medicina, antídoto sem escolha para as marcas.
Marcará. O tempo.
Mascarado da primavera, com seus espinhos e ponteiros, marcarão a madrugada, a aurora, o toque primeiro, assim, de leve, a primeira flor vadia, que na rua amanheça, sem notar a própria presença...
Não durará o tempo desta imagem, Dominique!
Nem porque há...
Esquecerá descarnada o que é sentir, e sucumbirá, primeiro desatenta, logo após fingida de si, ao vinagre, que retornará ao vinho. Assim que pesar seu corpo malsinado, maltratado.
Lembrará do cigarro, do pulmão, do castigo ainda fresco, aromatizando o ar.
Riscará o fósforo, fitará o rosto da chama, com cara de pergunta - sem resposta.
Dançará com o fogo junto à boca.
Beijará o fumo, na falta dos lábios, inchados e latílubros. Penetrará a fumaça na garganta e o martírio estará de volta, como deve, espectral e assombrando.
Assombrará a noite solitária, o som calado do escuro do dia. Vazia, a casa parecerá e metamorfoseará-se no calabouço imenso do remorso.
Petrificará, Dominique, onde estiver junto a impossibilidade, o furacão que girará incessante a órbita dos seus olhos, ao redor do mundo circunferente.
De repente, respirará Dominique, o ar não fará mais sua vontade.
Negará o teu abrigo, lhe será hostil, como sempre foi, carcomendo as suas células, oxidando, respirando e fenecendo.
Fenecerá, Dominique, fenecerá...
Que quando o ar já não quer, não será deus, não serei eu, ou qualquer surpresa que não esboçará sequer minha pena.
Se o ar lhe negará, caberá a mim respira-lo, poluído de morte, poluído do carbono da cidade, da fumaça ainda ali, a dançar pelo ar, seu amigo.
Não mais lhe nega, nem abandona. De revés, ainda convida a uma valsa.
Valsará a Morte, sobre teu seio, comprimirá seus órgãos em um passo mágico, de tirar o fôlego.
Receberá lugar de conforto ao teu descanso.
Seu, em um canto da sala, há um pequeno baú, uma urna,em que estará seu monte de cinzas.
Nascerá de sua lareira esse cinzento monturo, do fogo escuro onde se irão, seus pés, seus cabelos, seu dedo anelar, divorciará-se o anel dourado, devolverá por melhor dizer, a tua aliança quebrada.
Apodrecerá esquecida, virando poeira, cinzeiro unívoco do uísque, que pagará em saudade e com o dinheiro sujo, que como sei, estará também sujo de lembranças.
Entenderá.
Saudade Póstuma não se mata, não se morre.
Dominique, beberá esta noite este veneno que sai de minha língua e estará condenada. Receberá destes cabelos ásperos as chibatadas da loucura. Ouvirá somente como último som, a minha voz, calada, madrugada.
Dominique! Beberás este veneno!
Morrerá!
E só então estará em equilíbrio cada pétala de flor : depois que o seu mudo e funesto corpo, cantar o canto triste da Morte.
Esperará, Dominique, se suicidando na visão do seu rosto envelhecendo, envelhecendo, diante do espelho, até envelhecer...
Esperará Dominique..
À meia-noite...




Modelo: Kamila Zanetti

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Eu sou assim
há tempos
imemoriáveis,
ou esquecidos...

Eu sou assim
faz tempo
Que já nem me lembro
o por quê disso...

Meus passos
São estes sonhos
em que bebo,
fumo,
ou simplesmente
rumo
de encontro
ao muro
que como criança
teimo em desafiar.

Por vezes derrubado,
Em outras tantas erguido.