A cidade estava bonita. E como tudo, era ilusão e pó. O movimento veloz do ônibus nas ruas da madrugada, quase sem trânsito. As escuridões aninhavam as sujeiras, os restos, os lixos da cidade. As ruas pequenas e escuras escondiam as prostitutas com coração de pedra; os travestis com olhos de pedra; as ruas escuras viciadas, em pedras.
O pó correndo com o vento, nas sombras escuras das árvores à meia-noite.
As luzes pequenas, amarelas, maquilavam os policiais corruptos, de sorriso amarelo para as putas, os travecos, para quem fosse dono de uma nota de cinqüenta reais, amarela.
A cidade era silêncio. E um tiro de suspiro rarefeito soou no ar como a canção monótona de uma carreira pública. Pública e reta, se desejar pior.
A nota dissonante deitou num sonho um quase corpo de uma quase mulher.
Sentia o espírito leve, desprendendo-se, voando até.
Por dentro do corpo, corria a eternidade fugaz, o toque veloz da morte, do pó a retornar.
Tudo isso num instante.
Um instante fotografado da janela do ônibus
Ali mesmo, na folha que pousou no chão, e construiu debaixo de si, uma sombra.
Ali o ladrão? Ali o destino? Ali o segredo? Num momento?
Um momento.
...
...
...
Ali mesmo, na folha que pousou no chão, e construiu debaixo de si, uma sombra.
Ali, debaixo de si, na sombra.
Ali o ladrão! Ali o Destino! Ali os segredos todos! Num momento...
O relógio, a vida, o polícia e o ladrão, tudo num momento.
Ali mesmo, na folha que pousou no chão, e construiu debaixo de si, uma sombra.