
Sonhou, certa vez, a menina, que estivéssemos nós, deitados, de mãos dadas, num rio raso.
O resto eu inventei: o sabor da água, o sabor do beijo, o sabor da lágrima...
Inventei que era noite, embora adormeça ao dia.
Inventei que o rio raso era o desamor. E que nós descansávamos nele...
Inventei que o descanso não maltratava. E que nós desferimos nossa pele.
Inventei que via o vento e sua canção. E que nós chorávamos juntos.
Inventei que era mau. E de fato o fui e sou. E que nós cortávamos os pulsos, e fazíamos o rio raso.
Sonhou certa vez a menina que eu, só eu, morria ao mar.
O resto eu retirei: o sabor da água, o sabor do espelho, o sabor da lástima.
Inventei que era eu e não ela, o barco do barqueiro.
Inventei que o rio raso me levou sozinho.E que eu era leve, ela não.
Inventei que desaguava de sonho em sonho. E que eu, tinha moedas demais pra navegar.
Inventei que naufragava dentro de mim mesmo. E que eu, era o rio raso, o barco e o mar.
Inventei que faltava-me, ainda, um pouco de (m)água. E que eu, beberia sem fim a alma das pessoas.
Despertou-me a sede, a escassez, desde que sonhou, certa vez, a menina, que estivéssemos nós, deitados, de mãos dadas, num rio raso.
O resto eu inventei.